A Justiça em Tempos de Crítica: Reflexões sobre o Papel dos Juízes e Advogados

Nos últimos anos, testemunhamos uma crescente onda de críticas direcionadas ao Poder Judiciário e, em particular, aos juízes, que desempenham um papel central na administração da justiça. As críticas variam em intensidade e natureza, mas convergem em um ponto: a percepção de que a “justiça” teria se tornado distante dos anseios populares. Esse sentimento, que ressoa em diversas camadas da sociedade, é alimentado por uma série de fatores mais complexos, que incluem desde a tempo de tramitação dos processos até decisões judiciais denominadas impopulares. Estes fatores parecem convergir para uma percepção de uma justiça distante da realidade social.

Para entender a raiz dessas críticas, é necessário primeiro compreender o que se espera da justiça em uma sociedade democrática. A justiça, em sua essência, deve ser o baluarte do equilíbrio, da legalidade e do devido processo legal, garantindo que todos os cidadãos, independentemente de sua condição social, econômica ou política, tenham seus direitos respeitados e suas disputas resolvidas de forma justa e imparcial. Os juízes, como guardiões dessa justiça, são incumbidos de aplicar o direito com base em diversas fontes, seja a lei, os costumes e, também em menor grau os precedentes.

Contudo, em uma sociedade marcada por profundas desigualdades e onde o acesso à justiça ainda é, para muitos, um ideal distante, as decisões judiciais nem sempre correspondem às expectativas populares. Muitas vezes, essas expectativas estão enraizadas em uma compreensão diferente do que a justiça pode ou deve ser. Em uma era de informação instantânea e de opiniões polarizadas e muitas vezes contaminadas por vieses, as decisões judiciais são frequentemente analisadas de forma simplista, sem a devida consideração dos complexos contextos em que foram tomadas.

A crítica de que a justiça seria “fraca” reflete, em grande medida, a frustração de uma sociedade que anseia por respostas rápidas e resolutivas para problemas que são, na verdade, de natureza estrutural. A demora no julgamento de processos judiciais, por exemplo, é uma realidade inegável e, por vezes, uma decisão tardia pode equivaler à própria negação da justiça. No entanto, este fator não é apenas resultado de um sistema que não funciona, mas também de um sistema processual que, apesar de sua complexidade, busca garantir que cada parte envolvida em um litígio tenha a oportunidade de ser ouvida de maneira justa e oportunizada, em caso de irresignação, ao direito de recurso.

A célebre frase de Rui Barbosa contida em seu texto Oração aos Moços em que afirmou “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”, encapsula de maneira poderosa e atemporal a frustração que muitos sentem diante destes fatores. Quando o tempo de uma decisão judicial se estende além do razoável, as consequências podem ser devastadoras para aqueles que esperam por uma resolução de suas pretensões em juízo. Essa demora não só prejudica a confiança da sociedade no Poder Judiciário, mas também transforma o que deveria ser um processo de reparação em um ciclo de sofrimento e incerteza, convertendo-se em um mecanismo de perpetuação da injustiça.

A percepção de ineficiência do sistema também está intimamente ligada à ideia de que o Poder Judiciário não tem sido capaz de responder de forma adequada às demandas da sociedade. Este é, sem dúvida, um desafio real, especialmente em um contexto de sobrecarga de processos, infinidade de meios recursais e um sistema judicial que, em muitos aspectos, ainda opera de maneira mais tradicional. Em um país com as dimensões e complexidades do Brasil, a tarefa de administrar a justiça de maneira eficiente e eficaz é monumental, e os desafios enfrentados por nossos juízes são, em muitos casos, subestimados.

Outro ponto de crítica é a que o sistema de justiça estaria, de certa forma, desconectado dos anseios populares. Em um mundo cada vez mais conectado, onde as vozes das redes sociais frequentemente ecoam mais alto do que as discussões nos tribunais, há uma percepção crescente de que as decisões judiciais não refletem os desejos e sentimentos do povo. Entretanto, o conceito de justiça não pode, sob pena de impróprias e inadequadas acusações, ser confundida com um sistema que sempre atende a todos os interesses envolvidos. Na prática, não é assim que funciona.

O papel do julgador é, acima de tudo, aplicar a lei de forma justa e dentro dos limites em um estado democrático de direito, mesmo que isso signifique tomar decisões que possam ser impopulares ou contrárias ao clamor do povo. O desafio está em equilibrar a técnica jurídica com a sensibilidade social, de modo que as decisões judiciais sejam não apenas justas e dentro da legalidade, mas também percebidas como legítimas pela sociedade, ainda que surjam discordâncias.

Esse desafio de legitimação da justiça no contexto social é particularmente agudo em momentos de crise, como os que o Brasil enfrentou recentemente. Em situações de polarização política e social, as decisões judiciais ganham uma carga simbólica que ultrapassa a mera aplicação da lei, tornando-se, por vezes, objetos de disputa ideológica. Nesses momentos, os juízes são chamados a desempenhar um papel ainda mais delicado, onde a necessidade de manter a imparcialidade e a objetividade jurídica pode colidir com a pressão por respostas rápidas e populares.

Nesse contexto de intensas críticas e demandas, o papel do advogado se torna ainda mais relevante. O advogado não é apenas o porta-voz de seu cliente, mas também um defensor da justiça e do estado de direito. Em meio a críticas, o advogado deve atuar como um agente de meio, buscando soluções eficientes dentro e fora dos tribunais, que promovam uma justiça mais célere e efetiva, ao mesmo tempo em que preserva os direitos fundamentais de seus clientes. A ética, a diligência e a capacidade de articulação do advogado são essenciais para manter a confiança no sistema de justiça, especialmente em tempos de descrença generalizada. Além disso, o advogado tem o dever de orientar seus clientes e a sociedade em geral sobre os limites e possibilidades do sistema jurídico, promovendo uma compreensão mais realista e informada do que significa buscar justiça.
Nesse sentido, é crucial reconsiderar o próprio conceito de justiça. A justiça não é um conceito monolítico, mas uma construção contínua, que deve refletir tanto os princípios universais de equidade e imparcialidade quanto as particularidades de cada sociedade. No contexto brasileiro, onde as desigualdades estruturais são realidades gritantes, a justiça deve assumir um papel transformador, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Isso implica não apenas em aplicar a lei de forma rigorosa, mas também em interpretar e adaptar as normas jurídicas à luz das mudanças sociais e dos valores contemporâneos.

A busca por uma justiça mais próxima dos cidadãos passa, necessariamente, pela democratização do acesso ao Judiciário e pela transparência nas decisões judiciais. É fundamental que o Judiciário seja visto como um poder acessível e próximo, onde todos possam buscar a proteção de seus direitos com confiança e segurança. Para isso, é necessário promover uma cultura de diálogo e de educação jurídica que permita à população compreender melhor o funcionamento do sistema de justiça. Nesse sentido, os juízes devem ser não apenas aplicadores da lei, mas também agentes de transformação social, conscientes de seu papel na construção de um país mais justo e inclusivo.

Ela é, portanto, uma construção coletiva que envolve a participação ativa de toda a sociedade. Cada cidadão, ao exercer seus direitos e cumprir seus deveres, contribui para a realização da justiça. Da mesma forma, os advogados, promotores e demais operadores do direito desempenham um papel crucial na promoção de uma justiça equitativa e eficiente. É através do esforço conjunto de todos esses atores que a justiça pode se tornar uma realidade tangível.

Apesar das críticas e dos desafios, há razões para acreditar que o futuro da justiça pode ser promissor. As recentes reformas no sistema judiciário apontam para uma tentativa de modernização e de aproximação com as demandas sociais. O uso crescente da tecnologia, por exemplo, tem o potencial de tornar o sistema mais ágil e acessível, reduzindo a “fila” de processos e ampliando o acesso à justiça.

Todos estes fatores devem ser vistos, não como um fim em si, mas como um meio para alcançar uma sociedade mais justa, onde todos possam viver com dignidade e igualdade. Este é o ideal que deve guiar o conceito de Justiça e todos aqueles que, de alguma forma, participam da administração da justiça e da aplicação efetiva da lei em relação a todos nós, jurisdicionados. É essa justiça que todos devemos buscar, uma justiça que não seja apenas um conceito abstrato, mas uma realidade viva e presente na vida de cada cidadão.


Por: Dr. Raul Zaidan Filho